quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O que eu nunca diria a elas duas

Me sinto abandonado, como aqueles bêbados de esquina, e compartilho do meu cotidiano com muitos deles, em mesas de bar, em conversas na calçada. Fui abandonado por elas duas, talvez por culpa minha, até hoje, quase 30 anos se passaram, e não sei ao certo se a culpa é minha. Eu tenho raiva, muita raiva dentro de mim, e bebo não mais por diversão... na verdade, nem me lembro mais a última vez que bebi por diversão. Passo o dia fora de casa, também para não sentir mais forte essa solidão de abandono, mesmo que a casa seja pequena, embora aconchegante, não tem mais o aconchego de lar quando era habitada pela voz dela, mesmo que brigando, e sendo grosseira, ou da risada inocente de menina. Esse sorriso de menina, não só de uma, mas da outra também, ainda existem, e eu até hoje vejo, mas não sinto a mesma coisa. A menina cresceu, e deixou muito cedo aquele quarto rosa com branco, que até hoje ainda existe; as prateleiras ainda são repletas de bonecas que ela deixou pra trás, assim como os móveis semi-novos, que eram só dela, e ela deixou pra trás. Não lembro quando ela resolveu sair de casa, e ir morar em outra casa. E agora ela quer essa antiga casa pra ela. Sei que é o certo, mas continuo abandonado. Sei que as fiz sofrer, mas eu também sofro, e se existe mesmo esse céu que dizem, que eu saiba entender onde eu errei, porque no fundo, mas bem no fundo, eu admito meus erros. Hoje já não falo com a mulher com quem estive casado há tanto tempo. Não aguento olhá-la nos olhos, nunca aguentei realmente, porque sei que nunca fui um homem aos olhos dela. Nunca a amei, embora ela tenha merecido. A abandonei todas as noites, desde o começo. Nunca a quis de verdade, enquanto ela me queria, e chorava minha ausência. Eu sumia noites e mais noites, a aparecia com um cartão de motel na carteira, o qual ela sempre achava. E ela seguiu assim, se tornando cada vez mais neurótica, até que eu nunca mais a toquei. Acho que nunca a toquei. E mesmo assim, um fruto bom saiu dessa união desunida. Minha filha precisou de um pai presente enquanto crescia, eu acho. Mas ela nunca mais me pediu nada mais do que dinheiro. Eu sei que faltei como pai, mas sei que um dia alguém vai cuidar dela como eu tive de cuidar e falhei. Eu falhei em tudo com as duas. E isso eu nunca diria, muito menos a mim mesmo.

6 comentários:

  1. eita tava muito expirada em , devo dizer parabéns

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  2. Tem coisas que a gente não diz nem quando sente o direito de dizer pra si mesmo.

    Eu acho tão dificil saber como me colocar as vezes... e eu não saberia fazer isso com 'eus' trocados! Eu sem ser... tipo inventado.

    Beijo grande, flô gigante no meu coração=)

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  3. Meu Deus, desculpa a demora por passar por aqui. Passei por varios outros blogs, mas nenhum com uma escrita tao otima assim. Um outro 'eu' sendo escrito por uma pessoa magnifica, é como se tu tivesse incorporado mesmo outra pessoa heim!

    E o sentimento de abandono sendo descrito com uma clareza tao realistica, Amei, sempre amo as tuas escritas quando passo por aqui!

    Abração! ;D

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  4. Obrigada, gente! Pela atenção, pela leitura, por entender, e por sentir também!

    Beeijos, e voltem sempre sempre!

    =*

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  5. Mah, vc é uma coisa delouco, sempre intensa nas tuas palavras!
    BJOS
    Lena

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  6. Obrigada, amiga! Coisa delouco é vc, lindona!

    Beeeeijos

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"Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo: Esqueça-me!
Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, emotivas, vulneráveis, amáveis, que explodem na emoção: Acolha-me!"